sexta-feira, outubro 02, 2009

Não é a crise que nos destrói. É o dinheiro.

Nada no mundo me faria revelar o nome de quem relatou este episódio.
É oportuno divulgá-lo agora porque o parlamento abriu as comportas do dinheiro vivo para o financiamento dos partidos.
O que vou descrever foi-me contado na primeira pessoa.
Passou-se na década de oitenta.
Estando a haver grande dificuldade na aprovação de um projecto, foi sugerido a uma empresária que um donativo partidário resolveria a situação.
O que a surpreendeu foi a frontalidade da proposta e o montante pedido.
Ela tinha tentado mover influências entre os seus conhecimentos para desbloquear uma tramitação emperrada num labirinto burocrático e foi-lhe dito sem rodeios que se desse um donativo de cem mil Contos "ao partido" o projecto seria aprovado.
O proponente desta troca de favores tinha enorme influência na vida nacional.
Seguiu-se uma fase de regateio que durou alguns dias.
Sem avançar nenhuma contraproposta, a empresária disse que por esse dinheiro o projecto deixaria de ser rentável e ela seria forçada a desistir.
Aí o montante exigido começou a baixar muito rapidamente.
Chegou aos quinze mil Contos, com uma irritada referência de que era "pegar ou largar".
Para apressar as coisas e numa manifestação de poder, nas últimas fases da negociação o político facilitador surpreendeu novamente a empresária trazendo consigo aos encontros um colega de partido, pessoa muito conhecida e bem colocada no aparelho do Estado.
Este segundo elemento mostrou estar a par de tudo.
Acertado o preço foram dadas à empresária instruções muito específicas.
O donativo para o partido seria feito em dinheiro vivo com os quinze mil contos em notas de mil Escudos divididos em três lotes de cinco mil.
Tudo numa pasta. A entrega foi feita dentro do carro da empresária.
Um dos políticos estava sentado no banco do passageiro, o outro no banco de trás.
O da frente recebeu a pasta, abriu-a, tirou um dos maços de cinco mil contos e passou-a para trás dizendo que cinco mil seriam para cada um deles e cinco mil seriam entregues ao partido.
O projecto foi aprovado nessa semana.
Cumpria-se a velha tradição de extorsão que se tornou norma em Portugal e que nesses idos de oitenta abrangia todo o aparelho de Estado. Rui Mateus no seu livro, Memórias de um PS desconhecido (D. Quixote 1996), descreve extensivamente os mecanismos de financiamento partidário, incluindo o uso de contas em off shore (por exemplo na Compagnie Financière Espírito Santo da Suíça - pags. 276, 277) para onde eram remetidas avultadas entregas em dinheiro vivo.
Estamos portanto face a uma cultura de impunidade que se entranhou na nossa vida pública e que o aparelho político não está interessado em extirpar.
Pelo contrario.
Sub-repticiamente, no meio do Freeport e do BPN, sem debate parlamentar, através de um mero entendimento à porta fechada entre representantes de todos os partidos, o país político deu cobertura legal a estes dinheiros vivos elevados a quantitativos sem precedentes.
Face ao clamor público e à coragem do voto contra de António José Seguro do PS, o bloco central de interesses afirma-se agora disposto a rever a legislação que aprovou.
É tarde. Com esta lei do financiamento partidário, o parlamento, todo, leiloou o que restava de ética num convite aberto à troca de favores por dinheiro.
Em fase pré eleitoral e com falta de dinheiro, o parlamento decidiu pura e simplesmente privatizar a democracia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro amigo

só para "matar saudades", transcrevo aqui os comentários que coloquei no DPP.

"ontem transcrevi, nesta caixa de comentários, uma notícia que, na altura, considerei "grave para a democracia" e altamente comprometedora para a Dra. MFL (e, também, para os esquecidos, para o Dr. Jaime Gama!) que afirmou que na "ilha" se vivia uma democracia exemplar!

Afinal estava completamente enaganado! E como sempre acontece, nestes casos, venho pedir as minhas humildes desculpas!

O QUE SE PASSOU, ONTEM, NA MADEIRA, FOI:

"UM EXCESSO DE LIBERDADE!" (Seja lá o que isso queira dizer, que eu não consigo perceber!)

Quem o afirma é um representante "independente" da "INDEPENDENTE" CNE (Comissão Nacional de Eleições?).

Depois disto exijo que as próximas eleições portuguesas sejam acompanhadas por "observadores isentos" do Zimbabué, do Irão, ou até da Coreia do Norte, para que tenham alguma credibilidade internacional!"
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"Quando ouvi as declarações do respresentante "legal(?)" da CNE sobre os incidentes na Madeira, lembrei-me dum caso REAL que aconteceu comigo, em Angola, depois da independência.

Ao circular por uma "picada" que utilizava habitualmente, nas minhas descolcações profissionais diárias, fui interceptado por uns "camaradas" devidamente armados, que me disseram que não podia passar por ali, por se tratar duma "zona militar"! Quando argumentei que passava sempre por ali e não sabia que era proibido, recebi como resposta: "POIS É CAMARADA, É MUIIÍNTO PROIBIDO"

Fazer manifestações, mesmo, ou por isso mesmo, EM CAMPANHA ELEITORAL, na Madeira, "É MUIIÍNTO PROIBIDO!"

Um abraço!
GPS

Unknown disse...

É o Dinheiro e o Poder! Andam sempre de mão dada.